Neste mês a Netflix estreou uma de suas atrações mais badaladas para o sempre bocejante fevereiro que antecede o Oscar: a plataforma apostou naquele clima de tecnofobia e a insegurança de um dia a inteligência artificial agir realmente como um humano. Embora não haja muita novidade por aqui, o que chama a atenção é como a série Cassandra segue uma fórmula estabelecida a partir de Stranger Things para transformar qualquer gênero de conteúdo em uma atração “para toda a família” — provando que o título se tornou fundamental para a empresa.

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Para explicar como Cassandra tenta ser um “suspense sci-fi retrofuturista para toda a família”, é preciso voltar ao começo dos anos 2010, quando a Netflix coçava a cabeça tentando utilizar seu ativo mais importante, seu logaritmo proprietário, em prol de atrações mais sustentáveis e certeiras. 

Na época, esse era o maior problema da plataforma, que já via no horizonte os grandes conglomerados se movimentando para competir na crescente seara do streaming. A Netflix sabia que precisava multiplicar sei conteúdo original e as contas não andavam muito bem para grandes investimentos em produções sem retorno garantido.


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A empresa tentava encontrar um formato próprio de atração que conseguisse transformar os milhões investidos em locações e cenários em uma audiência mais ampla e sólida. Além disso, muita gente já notava que a plataforma fazia de tudo para esconder os mecanismos de busca por atrações na tentativa de evitar que o todos soubessem como seu catálogo era minúsculo quando comparado com o acervo da Disney ou da Warner, por exemplo.

A nova série Cassandra que retoma o medinho da IA (Imagem: Reprodução/Netflix)

E a companhia tinha que fazer isso urgentemente: veja abaixo o gráfico de evolução dos fundos de índice da (ou Exchance Trade-Funds, ETF na sigla em inglês. Note como estava capengando até 2015, que foi o “ano da virada” da plataforma.

Algoritmo proprietário salvou a Netflix

Com a chegada do streaming, os modelos de negócios de exibição de filmes e séries mudou bastante. Em vez de contratos vitalícios, como acontecia na TV, os donos dos direitos de transmissão passaram a negociar a cessão dos títulos por poucos meses, e com restrição de praças — essa foi uma das estratégias dos canais convencionais, por exemplo, proteger-se da iminente perda de público para o streaming.

Assim, a cada mês passou a sair e entrar muita coisa no catálogo. E, no final das contas, foi isso que ajudou a Netflix ajustar seu algoritmo para torná-lo em sua grande “receita secreta”: com a customização refinada e atualização constante do painel de entrada de oferta de títulos, a companhia evitava que os usuários notassem que o catálogo da plataforma era muito limitado. 

Making a Murderer ajudou a estabelecer um novo padrão de documentário (Imagem: Reprodução/Netflix)

Esses ajustes não somente ajudaram a “maquiar” o catálogo como também se tornou uma poderosa ferramenta de monitoramento e coleta de dados — uma tecnologia proprietária que faz o atual MAX e Disney+ morderem os cotovelos de raiva por não terem um recurso que dá mais vida aos menus. 

Ah, sim com esse esclarecimento, você agora sabe também por que a Netflix começou a trazer tanto conteúdo asiático e europeu para o catálogo — leia-se animes, doramas e atrações alemãs, francesas e espanholas: por que esses títulos não estão vinculados a grandes redes de TV aberta e nem foram são propriedade de conglomerados como Warner e Disney, portanto, a negociação e o contrato desses conteúdos têm preços e período de exibição mais longos e flexíveis. 

Stranger Things e Making a Murderer redefinem a Netflix

Os padrões obtidos com a coleta de dados passaram então a definir duas coisas essenciais para o crescimento da companhia: um modelo de análise capaz de estabelecer patamares de avaliação de risco de investimento das produções e um formato feito sob medida para a exibição exclusiva na Netflix — e ambas as coisas foram se retroalimentando para lapidar uma à outra.

Making a Murderer e, principalmente, Stranger Things, têm tudo a ver com isso. Vou explicar usando a série oitentista dos Irmãos Duffer para ilustrar melhor, até porque os poucos dados obtidos sobre isso podem sustentar melhor o que vou dizer — lembrando que a Netflix não divulga dados detalhados de audiência, e que as informações abaixo foram tiradas de observação própria e de investigação de outros jornalistas nos bastidores, incluindo relatos de ex-funcionários da companhia.

Nos muitos testes que a Netflix fez com a audiência de suas séries, estabeleceu vários parâmetros que eles acreditavam ser ideais para classificar uma atração como sucesso ou fracasso. Atualmente, por exemplo, se após dois episódios o título não preencher a cota básica de tempo de degustação e audiência, o projeto acaba ali mesmo sem segunda temporada.

Os Irmãos Duffer reegueram a Netflix (Imagem: Reprodução/Netflix)

Outra coisa que a Netflix analisou bem foi o número de episódios e o tempo de exibição relacionados ao desgaste da audiência, que não consegue mais ver aqueles absurdos 22-24 capítulos de quase uma hora de uma única temporada, e exemplo de uma série como Gotham. Para criar o hábito de “maratonar”, a empresa usou esses dados captados para oferecer atrações, com menos episódios, menos tempo de cada parte e dois ou mais segmentos de uma só vez. 

Entretanto, a conclusão mais interessante aconteceu com Stranger Things. Foi a única atração que manteve uma consistência de audiência e engajamento recorrente e persistente até o final da primeira temporada. Isso aconteceu em lugares muito diferentes, com perfis de usuários bastante distintos entre si e até em condições extremas, a exemplo do Pólo Norte.

E aí é que a Netflix finalmente encontrou seu verdadeiro DNA. Making a Murderer, em 2015, que também teve bons resultados em condições diferentes, ajudou a estabelecer um padrão de narrativa, de abertura, edição e até de formato e tempo para os documentários da companhia, que sempre foram seu ponto forte. Só que Stranger Things foi além.

Stranger Things estabeleceu uma nova maneira de contar histórias

A Netflix precisava aproveitar ao máximo os investimentos feitos em cenários e locações, pois a companhia não nasceu exatamente como um estúdio de Hollywood. Então, cada atração é “taylor made” para as gravações sobre estruturas que são reaproveitadas para cortar custos, e a narrativa precisa manter os personagens um bom tempo no ambiente mais icônica de cada fase da história.

Assim, a empresa passou a popular com mais gente de diferentes etnias e faixas etárias, com o objetivo de ampliar a representatividade, e, consequentemente, reunir uma gama muito maior e mais diversa de consumidores.

E daí nasceu esse formato “para a família toda” com pelo menos dois núcleo: o adolescente e o adulto, eventualmente com uma faixa de idade também para o público infantil. Basta notar que a turminha de Hawkins fica no centro para a idade entre 12 e 20 e poucos anos; daí tem os adultos como o delegado interpretado por David Harbour e a mãe batalhadora de Wynona Rider.

Stranger Things gosta de encapetar a cidade (Imagem: Reprodução/Netflix)

A partir daí a coisa só se espalhou: observe Atypical, Sex Education e várias outras atrações de comédia e drama que, claro, podem comportar esse tipo de dinâmica. Aliás, isso ficou tão evidente, que o YouTube, ao notar que não poderia investir mais dinheiro em novas temporadas de Cobra Kai, não pensou duas vezes em oferecer para a Netflix, já que a estrutura da série já nasceu pronta para se ajustar ao “modelo Stranger Things”.

E agora, temos um “suspense para a família toda” com Cassandra também reunindo um elenco para cada faixa etária. Tudo bem que isso não é tão bem feito assim ainda, pois os subplots dos adolescentes e das crianças não têm peso semelhante à trama principal protagonizada pelos adultos e até a transição para cada elenco é esquisita.

Ainda assim, dá para dizer que Stranger Things não somente explodiu a audiência da Netflix como também sanitizou as contas e deixou os projetos mais sustentáveis e interessantes. Basta olhar novamente aquele gráfico de ETF lá em cima para notar que, não à toa, “a virada” da plataforma veio em 2015 e 2016 — os anos de estreia de Making a Murderer e de Stranger Things, respectivamente.

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