Ao longo do período em que a ciência conhece os polvos, descobrimos que esses invertebrados não socializam com a própria espécie, apenas no acasalamento, que geralmente só acontece uma vez na vida. Novas evidências, no entanto, indicam que os polvos, na verdade, socializam sim — só que com outras espécies.

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  • Cérebro dos polvos tem semelhança surpreendente com o dos humanos

Observações dos cefalópodes caçando lado a lado com peixes já são feitas há décadas, mas acreditava-se que os nadadores se limitavam a se aproveitar dos restos deixados pelos polvos, ou, no máximo, caçar em paralelo, tirando vantagem da escolha de local do molusco. Mas a relação é muito mais complexa do que parece.

Polvos e peixes, amigos para sempre

Em um estudo publicado na última segunda-feira (23) no periódico científico Nature Ecology & Evolution, pesquisadores analisaram mais de cem horas de filmagem para revelar o comportamento de grupos mistos de peixes e polvos, mostrando a complicada rede de responsabilidades na hora de perseguir presas.


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A cooperação entre animais não é novidade — duplas de coiotes e texugos e até de garoupas e enguias já foram vistas, mas o diferencial dos polvos e peixes é a liderança compartilhada e o nível de colaboração observados. Em 120 horas de nado e filmagem no Mar Vermelho, foram vistas pelo menos 13 situações de caça diferentes.

Liderados por Eduardo Sampaio, do Instituto Max Planck, os cientistas notaram que as atividades de caça duravam até 90 minutos, com algumas situações sendo bem comuns. Uma das mais marcantes é o cômico “soco” do polvo nos companheiros peixes, uma maneira de colocá-los na linha para não atrapalhar a caça.

Outros sinais são mais sutis, requerendo observação cuidadosa do comportamento, movimento, ângulo de natação e outros aspectos de cada membro do grupo. Os polvos tendem a ser o centro do grupo de caça, decidindo se é hora de ir para outro ponto ou não, sendo seguidos pela maioria dos peixes.

 

Com os tentáculos, eles forçam as presas a sair do esconderijo. Salmonetes dourados, um tipo de peixe predador ativo nos recifes, também costumam liderar, escolhendo para a direção tomada pelo grupo. Eles costumam explorar e agir como batedores à frente da equipe, como um “radar” para os polvos. Onde eles param, os polvos sabem que há algo interessante.

Neros-amarelos também possuem um importante papel, sendo os que mais recebem socos dos moluscos. Eles aparentemente agem em benefício próprio, buscando roubar presas dos outros, mas também são importantes — funcionando como “âncoras”, eles mantêm a equipe nos locais de caça, já que, se ficam parados, é sinal de que vale olhar em volta uma segunda vez.

Esses peixes são pacientes e conseguem esperar que as presas surjam. Quando se movem, todo o grupo segue: é um forte sinal. A liderança do grupo, como se pode notar, não é simples e clara.

A cooperação entre polvos e peixes foi observada em várias horas de filmagem a fio, mas ainda há muito a se descobrir (Imagem: Eduardo Sampaio/Simon Gingins)
A cooperação entre polvos e peixes foi observada em várias horas de filmagem a fio, mas ainda há muito a se descobrir (Imagem: Eduardo Sampaio/Simon Gingins)

Os peixes e polvos funcionam mais como uma força-tarefa do que uma ditadura — há uma certa hierarquia, mas também há flexibilidade e especialização de papéis. Apesar dos achados fascinantes, os pesquisadores afirmam ter muito a estudar, já que a amostra é pequena, com apenas 13 eventos de caça.

Ainda há muitas respostas a buscar — os polvos gostam de caçar com todos os salmonetes dourados ou com indivíduos específicos? Os cientistas não conseguiram distinguir entre indivíduos nas filmagens, e fazer isso pode revelar mais camadas de complexidade.

Também é preciso descobrir exatamente o que cada membro recebe como recompensa da caça, o que ainda não está claro. O que sabemos é que a cooperação entre espécies vale a pena, e pode estar presente em mais locais do que imaginamos.

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